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Rebeldia dos entregadores de aplicativos no Brasil da pandemia e da precariedade

Trata-se de uma pobreza estrutural resultante do processo da escravidão e da concentração de riquezas em mãos de poucos, não obstante às mudanças alcançadas por meio da luta social no sentido de alterar essa triste e lamentável situação que coloca o Brasil como o país mais desigual e injusto do mundo. Pois foi por meio da luta social que se assegurou a uma parcela da população a cidadania social.  Ou seja, o acesso ao emprego com direitos.


Porém, as medidas adotadas a partir de 2015 pelo governo de Michel Temer, entre  as quais podemos citar a aprovação do congelamento do  orçamento da saúde e educação (PEC 95/2016), terceirização irrestrita (Lei Nº 13.429/2017),  reforma trabalhista (lei 13.467/17) e, no governo de Jair Bolsonaro, as profundas mudanças regressivas na Previdência Social, além de outras, via medidas provisórias, estão sendo decisivas para o aprofundamento da precarização das atuais condições de vida  dos trabalhadores, bem como do seu futuro como classe social.


Em outras palavras, o desmonte do colchão social protetivo constituído ao longo de décadas e a ausência de uma política de retomada do crescimento da economia, com geração empregos e renda, agravaram ainda mais uma situação que já não era das melhores.


Nunca é demais lembrar que a propaganda promovida pelos defensores do neoliberalismo era a que essas reformas iriam proporcionar a retomada do nível de empregos, gerar desenvolvimento econômico, o que na verdade não aconteceu.  Ao contrário. De lá para cá a situação piorou.


Ainda mais agora com a crise epidêmico-viral que acabou por tornar um verdadeiro inferno a vida de ampla parcela da população que depende de empregos para continuar existindo. O que, em grande medida, explica o aumento do nível de miserabilidade, de sofrimento e, por extensão, de mortes. Mesmo quando uma parcela da população consegue algum trabalho a precarização se reflete de modo intenso e profundo.


Nessa condição de secular injustiça, agora agravada pela pandemia, o que sobra para uma imensa massa de excluídos do trabalho regulamentado são os empregos criados no âmbito da informalidade e que, segundo dados estatísticos, representam 41% dos trabalhadores brasileiros. Particularmente trabalho via sistema de aplicativo, com destaque para os entregadores de comida que operam quase diuturnamente sem quaisquer direitos. Por ser desse modo, são hoje considerados os mais precarizados do mercado de trabalho.


Segundo Geovani Alves, professor livre-docente da Unesp e teórico do trabalho, o “precariado é a camada média do proletariado urbano precarizado, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e vida social”. Ou, como o define o britânico e economista do trabalho, Guy Standing, trata-se de “(…) uma classe emergente composta por um número cada vez maior de pessoas que levam uma vida de insegurança, entrando e saindo de empregos que conferem pouco significado a suas existências”.


Esse novo precariado, do qual têm falado Alves, Standing, Braga e outros estudiosos do tema, dá neste momento sinal de rebelião, de inconformismo, com a sua situação de trabalhador que ‘rala’ muito, corre riscos e não possui quaisquer direitos.


Com a pandemia em expansão, esses trabalhadores sequer recebem das empresas a quem prestam serviço, o básico necessário (máscara, álcool gel, luvas, etc.) para evitar a contaminação pelo vírus. Para deles fazer uso são obrigados a comprá-los com o seu mísero rendimento salarial. E mais: sendo responsáveis por todo o custo do seu trabalho sequer lhes sobra dinheiro para garantir a sua alimentação.


Eis aqui a maior contradição do nosso tempo: a difícil vida que leva o entregador de comida, pois passa fome enquanto carrega nas costas o almoço ou lanche quentinho dos clientes dos restaurantes que estão no bem-bom dos seus lares ainda que neste momento de coronacrise o isolamento social não seja agradável a ninguém.


Todavia, a compra, via sistema delivery, vem de um período bem anterior à pandemia de coronavírus e que deve se intensificar em função das condições acima já expostas. Nem escravo sofria assim, já que, não obstante uma série de horrendos castigos, o seu senhor tinha por obrigação lhe oferecer comida, dormida, tratar seus ferimentos, cuidar da sua saúde. No caso do entregador de comida, ninguém se responsabiliza por ele. Vive em cima de uma motocicleta, bicicleta, patinete, etc., com jornadas diárias em média de 14 horas, passando necessidade, arriscando sua vida e entregue à própria sorte.


Já não era sem tempo a proposta de uma grande mobilização, senão de greve nacional organizada por este segmento profissional precarizado que cumpre função econômica e social importante, porém sem nenhum reconhecimento da sociedade. Aliás, são os bem alimentados que se beneficiam da exploração dessa mão-de-obra e que se encarregam da tarefa de contemporizar essa questão.


É cedo, pois, para se fazer qualquer afirmação de que, nesses tempos de neoliberalismo e de pandemia, está se formando um novo núcleo de reorganização da luta social no Brasil, mas para início de conversa que envolve resistência à precarização da força de trabalho já é bom começo.


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